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Crítica | É Tudo a Mesma Cidade (2023)

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  Quando decide-se contar uma história algumas escolhas precisam ser tomadas . Primeiramente, deve-se sair do senso comum , se afastar da narrativa central e observar de forma imparcial todos os pontos de vista pertencentes àquela historia. Nesse momento, o contador de histórias opta por qual será a perspectiva utilizada para apresentar ao mundo determinado universo. É Tudo a Mesma Cidade (2023) , desenhando de forma nítida os contornos de seu personagem principal, é um filme que compreende isso. O curta nos apresenta Ronaldo Batista de Sales — Magão, personalidade que poderia preencher dezenas de minutos de película, ao levar-se em consideração a importância do nome dele para o Rio Grande do Norte e para o carnaval do Brasil. Entretanto, de forma consciente e minimalista o roteirista e diretor Júlio Oliveira decide por abordar um olhar sobre Magão que não seria manchete em um tabloide. Na década de 80 Magão fundou o bloco carnavalesco Ala Ursa do Poço de Sant’Ana — o bl...

Opinião | Por trás da máscara do 'Guilty Pleasure' não há espaço para o 'Pleasure'

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  Ontem, inconscientemente, me bateu uma vontade tremenda de assistir, pela milionésima vez, Rambo VI (2008) . Esse anseio inquietou a minha mente fazendo com que eu parasse o que estava fazendo para refletir a respeito desse desejo. No meio das minhas reflexões me lembrei que uma parte da cinefilia que conheço considera esse filme, Rambo VI , um Guilty Pleasure . E então, a partir desse momento, comecei a realizar um exercício mental a respeito da relevância desse termo para a cinefilia, em geral. Chequei a abrir um questionamento no meu instagram para que os meus seguidores se pronunciassem a respeito do que achavam sobre esse termo. Para minha grata surpresa as respostas que recebi no questionamento tinham um flerte com a minha opinião a respeito do assunto. Guilty Pleasure , na minha opinião é uma máscara que alguns cinéfilos usam quando falta a coragem para assumir para Deus e o mundo que, legitimamente, gostou de um filme. Muitas vezes esses cinéfilos se encontram inse...

Crítica | L'Ombre des femmes (2015)

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  Estar só é diferente de sentir-se só. Constantemente a solidão que invade o ser, mesmo estando em um relacionamento ou em uma multidão, resulta de um desencontro consigo mesmo. Divergência essa que, em muitos casos, pode levar a uma falta de harmonia com o outro. Arquitetando uma emaranhada rede de solidões e, consequentemente, de tentativas paliativas de atracar o vazio L'Ombre des femmes (2015) é um filme que não tem receio de construir sua história a partir de ferramentas de linguagem que podem ser vistas como dúbias por alguns expectadores. As escolhas na forma de apresentar a narrativa, feitas por Philippe Garrel se sobressaem e moldam a película. Durante o festival de Berlim de 2020 Garrel deu uma entrevista onde afirmou ser discípulo de Godard e de Truffaut. Sabemos que essa declaração tem origem nas raízes que ele possui na Nouvelle vague Francesa. Entretanto, mais que isso, com essa afirmação o realizador reafirma sua forma de fazer cinema. Lembrando ao expectador qu...

Crítica | La Jalousie (2013)

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  Confrontar-se com a imagem refletida em seu espelho interior é muitas vezes se deparar com o vazio. Afinal, o eu atual nem sempre é o reflexo do eu ideal que habita em nós. A partir desse encontro, entre quem sou e quem idealizo ser, decisões podem e, por vezes, devem ser tomadas. A singularidade encontra-se quando a posição que nos colocamos perante nossa história cruza-se com a história de outras pessoas. Essa condição pode vir a gerar implicações, nem sempre agradáveis, para os outros envolvidos, de forma direta ou indireta, em nossa narrativa. Philippe Garrel , diretor e roteirista, conhecido como um dos grandes cineastas franceses que herdaram de Godard e Truffaut o amor incondicional pelo cinema, explora, de forma calculada, em La Jalousie (2013) , a progressão no desenrolar dos eventos que ocorrem após um indivíduo adquirir consciência do vazio que preenche o interior do seu eu atual. Cláudia e Louis vivem em um pequeno apartamento e levam um relacionamento apar...

Crítica | Fendas (2019)

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  A luz foi, exclusivamente, a matéria-prima do cinema até o surgimento do som. Quando luz e som se encontraram dentro dos filmes, ocorreu uma convergência tão radical que alguns teóricos chamam o cinema que era feito antes do som de primeiro cinema. Curioso perceber que luz e som possuem propriedades diferentes. O som é uma onda que não se propaga no vácuo, pois necessita de um meio para se disseminar. A luz, por outro lado, também assume a forma de onda, entretanto, não encontra resistência para passear pelo vácuo. Fato é que luz e som, mesmo com suas singularidades, hoje, podem ser consideradas o alicerce no qual se constroem todos os filmes. Carlos Segundo , diretor e roteirista, é doutor em cinema pela Unicamp e possui diversos curtas em sua filmografia. Entre eles Sideral (2021) que foi indicado à Palma de Ouro de melhor curta-metragem no festival de Cannes no ano de 2021. Seu único longa, infelizmente, até o momento, é Fendas (2019) . Um filme onde o diretor perpassa p...

Opinião | Harry Potter e o Feitiço do Tempo

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  Quando a série Wandinha (2022) foi lançada, aconteceu um movimento no mínimo interessante: diversos jovens que nunca haviam assistido A Família Addams se apaixonaram pela personagem, ou melhor, pelos personagens e pelo visual da série. Indiretamente, o que aconteceu foi que uma nova geração teve os primeiros contatos com uma obra produzida e parcialmente dirigida por Tim Burton. Acompanhei de perto, através da minha filha mais velha — ela tem 5 anos —, o processo de uma pessoa que nunca havia tido contato com a cosmologia proposta por Tim Burton tornando-se uma aficionada. Os algoritmos cumpriram seu papel e começaram a entregar para ela somente cortes da série. Aos poucos, todas as nossas conversas, eu com ela, passaram a ter somente uma pauta: Wandinha Addams. Percebendo toda a admiração crescente que ela desenvolvera em relação àquele universo, tive uma ideia: começar a apresentar para ela os filmes dirigidos por Tim Burton, pelo menos os filmes que ela poderia assistir. Apr...

Opinião | Oppenheimer - Crônica de um cientista cinéfilo.

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  Por que mais uma análise de um filme que não precisa mais de divulgação? Talvez pela intimidade... “Oppenheimer”, de Chris Nolan, me gerou um sentimento de familiaridade científica que não tive com outros filmes biopics sobre grandes cientistas, como “Uma mente brilhante” e outros sobre Darwin, etc. Cada um tem uma percepção subjetiva de um objeto qualquer, e está por definição é intimista. Um estudante de comunicação verá no filme coisas diferentes do que um cientista, mesmo que este não seja da Física Quântica, e que, claro, não é um gênio também. Daí, mais uma análise. Logo no início, as cenas em que o jovem Oppie é aluno na Inglaterra, e tem inquietações, visões e até insônia sobre a estrutura do átomo (ainda um ilustre desconhecido nos anos 1920), me bateram como um tapa. Primeiro, aos 19 anos, eu sentia algo parecido tentando imaginar a cadeia de transporte de elétrons em células vegetais – quem me visse nessas horas, talvez ficasse com dó. Mas isso é parte do processo: ...

Opinião | Imprevisibilidade e Tragédia em Succession e Shakespeare

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  Todas as famílias felizes se parecem, mas as famílias infelizes são infelizes cada uma à sua maneira, foi o que disse Tolstói ao relatar a trágica história familiar e conjugal de Ana Karenina. Essa afirmação casa perfeitamente com a série Succession . Pois família e infelicidade são termos que se conjugam muito bem no mundo de Logan Roy, dono de um bilionário conglomerado internacional de mídia e pai de quatro ambiciosos filhos: Kendall, Shiv, Roman e Connor. O enredo de Succession é profundamente semelhante à obra de Shakespeare, Rei Lear . Ambas as histórias desenvolvem-se em torno de quem será o grande herdeiro. No caso do Poderoso Logan Roy, os filhos Kendall, Roman ou a filha Shiv. Connor, o mais velho, possuía outros fetiches menores, como ser Presidente da República. No caso de Lear, as filhas Goneril, Regan ou Cordélia. As semelhanças vão além. Camus disse que cada sentimento possui o seu próprio universo, como o universo do ciúme, da inveja, da intriga, da ingratid...

Crítica | Padre Pio (2022)

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  A dicotomia, ou seja, a divisão de um conceito cujas partes, geralmente, são opostas, é um tema recorrente nas artes. O cineasta americano Abel Ferrara, mantendo sempre a imparcialidade e não fixando uma opinião sobre qual seria o certo ou o errado, expõe na totalidade de suas obras a dualidade mais clássica de todas: a oposição entre o bem e o mal. Ferrara se sustenta no sentido cristão ocidental, que essas duas palavras carregam, para desenvolver a sua forma de apresentar o universo de seus filmes ao expectador. Abel Ferrara é, provavelmente, um dos diretores mais prolíferos de sua geração. Em tempo algum ele se apegou a um gênero ou a uma forma de dirigir, pelo contrário, quando filma, ele se adapta à idealização de seu olhar naquele momento específico. O que significa isso? Significada que para cada gênero que Ferrara dirigiu, seja um slasher, um neo-noir, um filme de máfia, um romance ou até mesmo um documentário, e para cada roteiro que ele teve em mãos ele apresentou u...

Crítica | Dolor y Gloria (2019)

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  Antonio Banderas tornou-se conhecido no Brasil, por parte do grande p ú blico, na década de 90 e no início dos anos 2000, através de filmes como Assassins (1995) , The Mask of Zorro (1998) e The Legend of Zorro (2005). Obras que foram sucesso s de bilheteria no país e que por incontáveis vezes a televisão aberta reprisou. Até mesmo, levando a um fenômeno onde a figura do ator torna-se atrelada a um personagem, nesse caso, o Zorro. Por consequência, no nosso país, principalmente, devido ao imperialismo Hollywoodiano das salas de cinema, Antonio Banderas tornou-se ícone de filmes de ação. Digo isto, pois, existe um Antonio Banderas anterior à Hollywood e um Antonio Banderas que realiza filmes de outros gêneros. Esse Antonio Banderas, é amigo, há mais de 40 anos, do diretor e roteirista espanhol Pedro Almodóvar e esteve presente em cinco películas de Almodóvar entre os anos 1980 e 1990 – anos anteriores ao descobrimento de Banderas por Hollywood. Em Laberinto de pasiones (198...