Opinião | Harry Potter e o Feitiço do Tempo
Quando a série Wandinha (2022) foi lançada, aconteceu um movimento no mínimo interessante: diversos jovens que nunca haviam assistido A Família Addams se apaixonaram pela personagem, ou melhor, pelos personagens e pelo visual da série. Indiretamente, o que aconteceu foi que uma nova geração teve os primeiros contatos com uma obra produzida e parcialmente dirigida por Tim Burton. Acompanhei de perto, através da minha filha mais velha — ela tem 5 anos —, o processo de uma pessoa que nunca havia tido contato com a cosmologia proposta por Tim Burton tornando-se uma aficionada.
Os algoritmos cumpriram seu papel e começaram a entregar para ela somente cortes da série. Aos poucos, todas as nossas conversas, eu com ela, passaram a ter somente uma pauta: Wandinha Addams. Percebendo toda a admiração crescente que ela desenvolvera em relação àquele universo, tive uma ideia: começar a apresentar para ela os filmes dirigidos por Tim Burton, pelo menos os filmes que ela poderia assistir. Apresentei alguns filmes para ela na seguinte sequência: Edward Mãos de Tesoura (1990), A Fantástica Fábrica de Chocolate (2005), A Noiva Cadáver (2005) e, por fim, Alice no País das Maravilhas (2010).
Em todos os filmes, seus olhos brilhavam. Com o tempo, ela aprendeu o nome do diretor Tim Burton e começou a reconhecer o ator Johnny Depp nos filmes. O tempo passou e me vi pensando em qual outro filme, que se passasse em um universo fantástico, eu poderia apresentar para ela. Veio-me à memória os filmes da franquia Harry Potter. Precisamente no dia 6 de junho/23, convidei-a para assistir a um filme. Disse que seria um filme do Harry Potter. Um nome, que para ela, era desconhecido até aquele momento.
Logo no primeiro filme — Harry Potter e a Pedra Filosofal (2001) —, ela se espelhou na personagem da Hermione. No segundo filme — Harry Potter e a Câmara Secreta (2002) —, deu crises de riso ao perceber a falta de coragem do personagem Ron Weasley. No terceiro filme — Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban (2004) —, se encantou com o padrinho do personagem Harry Potter — Sirius Black. E assim assistimos a todos os filmes da franquia.
Em cada filme, ela se identificava com um elemento. No decorrer de todos os filmes, as perguntas eram inevitáveis: todas as vezes que Snape aparecia em cena, ela perguntava: “Ele é do mal?”. Todas as vezes que mostravam a relação entre Harry e seus tios, ela perguntava: “Por que eles não gostam do Harry?”. Em todos os filmes, uma chuva de perguntas nos acompanhava. Quando Harry e Voldemort começam a chegar perto do confronto final, foi um prazer ouvir da boca dela os planos mirabolantes de como ela enfrentaria o Lord das Trevas.
Assumo que enfrentei resistências ao ter a ideia de assistir a franquia novamente. Resistência, pois, havia assistido aos filmes somente na época em que foram lançados. Minha memória afetiva com os filmes, por algum motivo, não era das melhores. A cada filme que assistíamos, minha impressão a respeito dos filmes se transformava. Quando Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban (2004) terminou, fiquei impactado. Sensação que me levou a ir atrás e verificar quem era o diretor do filme. Qual foi a minha surpresa ao descobrir que o filme havia sido dirigido por Alfonso Cuarón, o mesmo diretor de Gravidade (2013) e Roma (2018). Aliás, Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban (2004) possui mais alma que Roma (2018), mas isso é assunto para outro texto.
Os filmes que mais me impactaram foram: O Prisioneiro de Azkaban, O Enigma do Príncipe e Relíquias da Morte parte 1. Mas esse sou eu, um crítico de cinema. Minha filha, por outro lado, ficou fascinada com todo o universo cinematográfico dos filmes. Quando o último filme acabou, ela fez a seguinte pergunta: "Quando vai ser filmado o próximo filme do Harry Potter?". Pergunta que deixa claro o quanto ela queria continuar vivendo aquele universo
Em termos cinematográficos, toda obra é temporal, ou melhor dizendo, toda obra é datada, afinal depende de equipamentos e recursos que são disponíveis em um determinado tempo histórico. Dentro do audiovisual, isso é uma regra. Sendo assim, uma afirmação conhecida é: “não existem filmes atemporais”. Entretanto, após rever todos os filmes na melhor companhia possível – minha filha –, fica claro que a franquia Harry Potter possui um feitiço do tempo, onde até uma criança de 5 anos de idade ao ter contato com a franquia, cujo o primeiro filme foi lançado 17 anos antes do nascimento dela, fica hipnotizada.
Lembro que quando o primeiro filme foi lançado eu era uma criança. Meu primeiro contato com a obra foi um VHS que ganhei de presente de Natal. Revendo todos os filmes, hoje um homem, casado e pai de duas filhas, fui imerso novamente naquele mundo. Como se um vira-tempo houvesse sido utilizado. Vi-me uma criança fascinada com o que estava vendo. Todo filme pode ser datado, porém, a experiência que Harry Potter proporciona ao espectador, seja o espectador uma pessoa de qualquer idade, é atemporal.
No fundo, todos queríamos ser a criança que recebe a carta de admissão em Hogwarts. Tenho um segredo, e ele fica entre nós – eu ainda espero a minha carta.
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