Opinião | Imprevisibilidade e Tragédia em Succession e Shakespeare

 



Todas as famílias felizes se parecem, mas as famílias infelizes são infelizes cada uma à sua maneira, foi o que disse Tolstói ao relatar a trágica história familiar e conjugal de Ana Karenina. Essa afirmação casa perfeitamente com a série Succession. Pois família e infelicidade são termos que se conjugam muito bem no mundo de Logan Roy, dono de um bilionário conglomerado internacional de mídia e pai de quatro ambiciosos filhos: Kendall, Shiv, Roman e Connor.

O enredo de Succession é profundamente semelhante à obra de Shakespeare, Rei Lear. Ambas as histórias desenvolvem-se em torno de quem será o grande herdeiro. No caso do Poderoso Logan Roy, os filhos Kendall, Roman ou a filha Shiv. Connor, o mais velho, possuía outros fetiches menores, como ser Presidente da República. No caso de Lear, as filhas Goneril, Regan ou Cordélia.

As semelhanças vão além. Camus disse que cada sentimento possui o seu próprio universo, como o universo do ciúme, da inveja, da intriga, da ingratidão, do ressentimento e da traição. Se levarmos essa afirmação em conta, chegaríamos à conclusão de que o universo de sentimentos em Succession e em Lear é infinito. A relação familiar em ambas as tragédias é marcada por uma interação paradoxal de sentimentos que facilmente surpreenderia Freud.

Ainda no reino das semelhanças, Succession e Rei Lear frustram qualquer previsibilidade. Ambas as obras são marcadas pela luta ambiciosa da sucessão. O violento combate moral e emocional marcou as relações familiares. O ápice dessa corrida trágica e paradoxal pela busca do poder é que na linha da sucessão todos os herdeiros falharam. Ninguém chegou. Pelo menos não quem esperávamos. Por um lado não foi Kendall, Shiv, Roman e Connor. E por outro não foi Goneril, Regan ou Cordélia.

Apesar das semelhanças, Succession ainda consegue ser mais completa. Ao meu ver, a imprevisibilidade da obscura natureza humana, se é que existe alguma, é tal como foi representado na série através dos universos ambíguos dos sentimentos. Vemos os personagens oscilando entre momentos de compaixão e crueldade, solidariedade e traição, lealdade e deslealdade, tornando-os complexos e difíceis de mapeá-los.

Kendall Roy, por exemplo, passa por uma jornada emocional turbulenta, demonstrando sua vulnerabilidade e tentativas de se redimir, mas também revelando sua capacidade de cometer atos questionáveis, como mentiras, manipulações e traições em sua busca pelo poder.

Shiv, claramente a filha mais ambiciosa de Logan Roy, exibe comportamentos ambíguos ao longo da série, oscilando entre apoiar seu pai e questionar suas decisões. No grande e último ato, Shiv trai seu irmão Kendall Roy e entrega o mais valioso posto de todo o conglomerado internacional de mídia ao seu esposo, Tom Wambsgans. Facilmente considerado o mais patético de toda a família.

A série é uma obra que nos apresenta a complexidade e as contradições inerentes às relações familiares e à natureza humana. Assim como em Rei Lear, vemos a disputa implacável pela sucessão e a interação paradoxal de sentimentos que moldam o destino dos personagens. A série nos mostra que, assim como Tolstoi afirmou, famílias infelizes são infelizes à sua própria maneira, e no caso dos Roy, a infelicidade se manifesta através de ambições desmedidas, traições e rivalidades que desafiam qualquer previsibilidade.

Dessa forma a série se destaca como uma obra completa e profunda, que explora a intrincada teia de relações familiares e nos convida a refletir sobre as obscuridades da psicologia humana.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Crítica | Padre Pio (2022)

Crítica | Fendas (2019)

Crítica | Uncut Gems (2020)